O trecho que vou citar poderia ter saído de um qualquer diário ou semanário. Mas não é verdade. O trecho que eu vou citar foi escrito no século XIX por Eça de Queirós e Ramalho Ortigão!
«Entre os privilégios que ainda existem em Portugal -- e que seria bom que acabassem, uma vez que o país (...) começou evidentemente a odiar todo o privilágio -- contam-se em primeira linha os privilégios que a carreira política permite àqueles que a seguem.
Para servir tais privilégios a opinião pública obteve meios de dividir uma coisa essencialmente indivisível e una -- a probidade -- em probidade política e probidade individual.
Uma vez admitida esta casuística um tanto imoral, o indivíduo considera-se irresponsável perante a sociedade por todas as ignomínias, por todas as baixezas, por todas as infâmias que comete na política.
(...) O homem político -- simples influente eleitoral, mero candidato a deputado -- lisonjeia, mente, difama, atraiçoa. Na política portuguesa raros dão um passo que o não conquistem por algum destes vícios. Toda a gente o sabe. As eleições fazem-se ou pela compra da consciência a dinheiro, ou pela promessa, pela lisonja, pelo dolo, pela mentira. Não há integridade nem limpeza de carácter que resista à influência degradante e sordidíssima de uma campanha eleitoral. Em presença do eleitor, nas conversações, nos comícios e na imprensa, para desvanecer atritos para abater dificuldades, para minar resistências, o candidato, de concessão em concessão, de recuamento em recuamento, de curva em curva, de cortesia em cortesia, desdiz todas as suas opiniões, desmente todos os seus propósitos, falseia todas as suas convicções, renega todas as suas crenças. A campanha eleitoral é uma navegação pestilencial pelo cano de esgoto de todas as imundícies da conveniência, do egoísmo e da ambição. Tal tribuno que hoje bate nos peitos com o punho cerrado, fazendo saltar pelos olhos chispas de valor e deitando pela boca os mais estrondosos borbotões de independência, escumas da raiva cívica e patriótica -- perguntai aos eleitores e aos ministros que o viram passar -- foi para esse lugar de rojos pela lama, com os joelhos no chão, babando-se em condescendências asquerosas e em risos nojentos.
A luta partidária o que é? Nenhum partido se distingue dos outros pelas ideias que professa. As ideias são sempre as mesmas -- poucas, pequenas, mas idênticas. Os partidos têm para as ideias de seus gastos um mealheiro comum sebento de velhice, de economia e de miséria. O que estabelece as distinções, o que assinala as diferenças, o que suscita os combates, e o que resolve as vitórias, é a intriga (...).»
Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, As Farpas, «Agosto de 1871»